O gozo ininterrupto! Uma crítica ao coaching da atualidade…

O gozo ininterrupto! Uma crítica ao coaching da atualidade…

O gozo ininterrupto! Uma Crítica ao coaching e a sua falsa premissa em busca da felicidade.

Com as profundas transformações neoliberais da globalização e do avanço técnico-científico, provindas do advento da modernidade, constituem-se a nossa atual sociedade contemporânea fugaz, fluída e paradoxal, que busca por uma necessidade de enquadramento para além desse marco social, no âmbito do mercado de trabalho e, para o progresso da vida pessoal, a necessidade incessante de uma performance, beirando à perfeição em todos os setores da existência humana, que acabou desencarrilhando o caos.

No núcleo deste sistema moderno, a praticabilidade do coaching cresceu exponencialmente no mundo inteiro desde a década de 80, trazendo uma atuação diversa, emergente e amplamente difundida em serviços oferecidos à população, sem haver rigor científico e/ou teórico específicos da sua área. Mas, embutida numa proposta inicial de eficácia, com toda uma premissa ideológica de felicidade oferece a “realização pessoal e profissional subjacentes”.

Cabe salientar que a indústria do coaching já movimentou bilhões de dólares ao longo dos anos, e hoje em dia, é desenfreada a quantidade de coaches atuantes. Isso denota a falta de regulamentação e controle em cima de tal prática, o que é preocupante, porém é a consequência dos efeitos da pós-modernidade: a indústria capitalista.

Com os efeitos colaterais da indústria capitalista, a crescente demanda de pessoas desorganizadas emocionalmente de um lado, e os coaches por outro lado, estão desesperados por clientes, promulgando para o “outro” as suas ideias de bem estar social. Utilizam-se de pressupostos psicológicos como “mudanças de comportamentos” e adequação dos “mapas mentais”, para garantir a direção certa à felicidade. Por vezes, isso está relacionado ao melhor emprego, fortuna, casa dos sonhos, carro do ano, prosperidade etc., como parte significante de se ter uma vida de sucesso.

Percebe-se que as ideias equivocadas dos coaches em indicar premissas falsas em busca da vida perfeita, problematiza um conceito deturpado acerca do que é ser feliz, tal como o que é de ter sucesso. Ou seja, tudo aquilo que for exigência de um dos significantes mais comentados, temidos e enfocados da pós-modernidade “o Mercado”, nasce a necessidade de se conquistar.

Através de gatilhos inconscientes tais como: “o mercado tem pressa”, “são as regras do mercado”, ou, “não fique de fora do mercado”, são esses significantes destrutivos que levam à prática compulsória e competitiva presenciados no cotidiano capitalista.

Em termos psicanalíticos, a compulsão à repetição na prática competitiva de mercado engendra a atual situação sintomática na nossa civilização, da qual a massa (o todo) não escapa e, cada vez mais, são suscetíveis a aparição de transtornos mentais e doenças psicológicas moderadas graves.

Sendo assim, o coaching tem contribuído para o aumento devastador de demandas conflituosas, permeando um quadro etiológico não científico, não teórico, e não regulamentado com as leis de conduta moral e ética do país, que possam embasar um trabalho profissional.

Neste entremeio cabe ressaltar que a prática do coaching permeia sua atuação através de uma metodologia genérica, para aprimorar desempenho na forma de alcançar metas, dentro de uma perspectiva de desbloqueio mental do potencial de um indivíduo, tornando uma ferramenta mercadológica no Brasil.

Todavia, de acordo com Freud (1921) a necessidade da massa de ser iludida pelos ideais que permeiam a civilização, denota a obscuridade da verdade e da realidade. Quando uma multidão se forma em torno desse novo contexto de buscas incessantes, não há norma governando o comportamento da massa. A massa quer ilusão e não vive sem ela!

A premissa ilusória em torno da perfeição, parte da crença motivada pelo desejo intrínseco e singular do cliente que busca uma “coisa” para significar a vida, que podemos chamar de ilusão, isto é: “Podemos chamar de ilusão quando uma realização de desejo constitui fator proeminente em sua motivação e, assim procedendo, desprezamos suas relações com a realidade, tal como a própria ilusão não dá valor à verificação.” (FREUD, 1927, p. 40).

A superficialidade da sessão de coaching não considera e nem leva a considerar que condições sociais, culturais, econômicas, biológicas e psicológicas/emocionais são agravantes primordiais na compreensão do sujeito enquanto ser.

De forma muito objetivada, não reflexiva tampouco cientifica torna a prática do coaching um retrocesso ao século XIX, com ideais positivistas de que somente fatos objetivos constituem a verdade. Portanto a subjetividade, as condições do homem enquanto ser humano são deixados de lado, e o homem passa ser um objeto a ser treinado para o mercado, afinal a máxima é: “não fique de fora do mercado”.

Deste modo, as emoções não são tratadas, e quando mencionadas são catequizadas para atividades, afazeres e trabalho, porque: “Se você não lutar suas batalhas, ninguém irá lutar por você”, uma das tantas frases motivacionais carregadas de desprazer e pouca compreensão do que significa lutar.

Os fatores humanos tomados com liquidez potencializam os sintomas hostis de não responsabilização única e verdadeiramente singular de cada sujeito que por si só busca ser feliz. Assim, a ilusão neurótica presente no homem pós-moderno o permite distorcer a realidade da qual ele está inserido, pelo simples e, ao mesmo tempo complexo fato, de que a forma em que vive não lhe agrada e para isso precisa ser melhorada com aquisição de “coisas” para ser um ser feliz.

Diferentemente, na prática analítica/psicológica, o principal a ser verificado e tratado são estes sintomas que complicam a compreensão do sujeito já iludido, que precisa ser desconstruído melhorando sua forma de enxergar o mundo através da sua realidade, para assim compreender que entre felicidade e “coisas” tem diferenças absurdas, para ser feliz, das quais o discurso modernista instaurou fortemente. Na contramão desse sistema engenhoso estão os(as) psicólogos(as) trabalhando para validar sua profissão ética à serviço de promoção da saúde mental dos sujeitos iludidos desta civilização capitalista.

E sim, discordando com tais práticas “coachianas” que tampouco compreendem esses sintomas sociais, o inconsciente de cada sujeito e suas formas únicas de existir no mundo – indicando que pequenas conferências e leituras de livros de autoajuda são suficientes para estabilizar o sujeito.

Para concluir esse pensamento, o fracasso do homem subentendido que pelos feitos que se mostram o sucesso, é diferente ao pensamento da Psicologia enquanto ciência e profissão.

A Psicanálise lacaniana traz à tona uma crítica ao sujeito iludido que existe onde não pensa, e pensa onde não pode existir. Este reforço à ideologia neoliberal que promove mandatos imperativos de “gozo ininterrupto”, como um “gozar a qualquer preço” da felicidade obrigatória como prova de sucesso, da pressa, da superficialidade, da exacerbação da performance e da aversão ao sofrimento está no cerce desse discurso ideológico pós-moderno. (LACAN, 1959/60).

O agravante social se apresenta através de um discurso deficitário, incongruente e causador de mal-estar na civilização, perpetuando a dor e o sofrimento humano de se submeter ao mercado competitivo e ao pensamento inconsciente de não conseguir alcançar a felicidade tão exageradamente discursada, alienando os sujeitos às resoluções fáceis de conflitos.

Portanto, ao ressaltar a busca da felicidade infligimos uma forma de compreender os motivos latentes das crenças do sujeito, a ilusão inerente do seu desejo que é a sua pulsão de vida arreigada em seu discurso humano singular e único. Nesse pressuposto se pauta a psicologia com métodos, técnicas-teórico práticas para se valer ao analisar e avaliar o sujeito iludido, mas único em sua história de vida e situação emocional.

 

Artigo de Abigail M. Faria Bragalha 
Psicóloga – CRP 06/140725
Graduada em Psicologia pela Universidade Paulista – Limeira/SP em 2017
Pós-Graduada em Psicanálise Clínica, pela Sanar Pós Saúde Sede Salvador/Bahia.  

 

 

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